sexta-feira, 18 de março de 2022

Língua

Português forense : língua portuguesa para curso de direito / João Bosco Medeiros, Carolina Tomasi.  8. ed.  São Paulo: Atlas, 2016, p. 11-14:

"Considerando a língua em sua imanência, ela foi estudada particularmente no passado em sua realidade estrutural. Entendia-se, sob a variação constitutiva de uma língua, que havia uma unidade sistêmica. Como a linguística estrutural nasceu em solo europeu, ela reproduziu a concepção de língua que existia, em que se identificava a língua com a norma-padrão. Faraco (2008, p. 33) afirma que língua tornou-se “assunto de Estado nos países europeus, que, como parte do processo de centralização característico daquela conjuntura histórica, desenvolveram políticas linguísticas homogeneizantes em seus territórios”. Daí advém a dificuldade da linguística em admitir em seus modelos teóricos a heterogeneidade  que  é  característica  de  qualquer  língua. Assim,  enquanto  a  linguística  segue  pressuposto teórico de língua homogênea, a outras disciplinas cabe o estudo da heterogeneidade, como a dialetologia, a sociolinguística, a linguística histórica.

Saussure, com sua divisão entre langue e parole, entendia que língua é um sistema social uniforme que se materializa em usos individuais. Essa concepção sistêmica mostrou-se produtiva nos estudos fonológicos, mas insuficiente para a explicação da variabilidade linguística supraindividual.

Caracteriza-se a FALA, na concepção de Saussure, como a atualização da língua pelo indivíduo. O uso individual é resultado da necessidade de comunicação. Em virtude de sua realização oral ocorrer sobretudo em situações informais em que normalmente não se pratica a norma-padrão (a língua modelar, abstrata), a LÍNGUA FALADA é mais dinâmica que a ESCRITA. A ausência de censura favorece o surgimento de uma variedade rica em possibilidades expressivas.

A FALA é anterior à escrita, mas, ao longo dos tempos, tem sido relegada a uma condição de inferioridade por causa das circunstâncias modernas em que informações e documentos escritos constituem o mundo das relações humanas e de produção.

As alterações que ocorrem na fala podem vir a tornar-se uso, desde que sejam experimentadas por um grupo de indivíduos. Ensina Saussure (1977, p. 196) que “nada entra na língua sem ter sido antes experimentado na fala, e todos os fenômenos evolutivos têm sua raiz na esfera do indivíduo”.

Segundo o pensamento saussuriano, as características diferenciadoras entre LÍNGUA e FALA são: a língua é sistemática, tem certa regularidade, é potencial, coletiva; a fala é assistemática, nela se observa certa variedade, é concreta, real, individual.

Para Oliveira (2011, p. 32), a forma como se vê a língua determina a maneira de ensinar português. Algumas teorias polarizam as discussões desde a segunda metade do século XX: a concepção estruturalista, representada por Ferdinand de Saussure, Leonard Bloomfield, Charles Fries, Noam Chomsky. O estruturalismo entende que “a língua é um sistema formado por estruturas gramaticais inter- relacionadas”. Esse conceito de língua é problemático porque exclui o uso linguístico, o sujeito usuário da língua e as variações linguísticas que sujeitos diferentes produzem.

Saussure não tratou da fala em sua pesquisa linguística porque entendia que a parte social e homogênea da língua seria o elemento que daria cientificidade à linguística. Chomsky, por sua vez, ocupou-se de dois conceitos: o de competência (conhecimento que o falante possui de sua língua) e o de desempenho (uso efetivo da língua). Também excluiu de sua pesquisa o desempenho, por entender que o uso da língua, que conta com a influência de fatores psicológicos e físicos, como cansaço, irritação, sono, não reflete sua competência. Fundamentou sua pesquisa em um falante ideal que vive em uma comunidade linguística homogênea.

Saussure compreendia a língua como um código e um sistema de signos, o que o levava a interessar-se apenas pelo sistema e pela forma, e não por sua realização na fala nem por seu funcionamento em textos.

A visão funcionalista da linguagem tem como representantes: Nikolai Trubetzkoy, Robman Jakobson, John Firth, Halliday, autores que se ocuparam sobretudo com aspectos funcionais, situacionais, contextuais e comunicacionais no uso da língua, e não apenas com o sistema.

A concepção de língua sociointeracionista ou interacionista entende a língua como meio de interação sociocultural e compreende elementos como: sujeito que fala ou escreve, sujeito que ouve ou lê, especificidades culturais desses sujeitos, contexto de produção e recepção do texto, elementos que não fazem parte do conceito estruturalista de língua.

Segundo a concepção pragmática, não bastam conhecimentos estruturais da língua, regras gramaticais, para o uso competente da língua. Dell Hymes seria o autor do conceito de competência comunicativa,

segundo o qual o falante-ouvinte, para ser competente em sua língua, precisa não apenas ter conhecimento das regras gramaticais, mas também a habilidade de usar essas regras, adequando-as às situações sociais em que se encontra no momento em que usa a língua (OLIVEIRA, 2011, p. 35). 

Para Marcuschi (2011, p. 19 s), o contexto atual dos estudos de linguística enunciativa vê a “língua como um conjunto de práticas enunciativas e não como forma descarnada”. Toda e qualquer enunciação humana é organizada fora do indivíduo, é sempre um ato social. A substância constitutiva da língua não é um sistema abstrato de formas linguísticas, nem uma enunciação individual isolada, mas um fenômeno social de interação verbal realizado por meio de enunciações, em que a realidade da língua se manifesta na interação verbal. Marcuschi chama ainda a atenção para o que afirmam Bakhtin e Voloshinov, em Marxismo e filosofia da linguagem (1997, p. 124):

A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes.

Bakhtin entende que fala (os enunciados) não é ato individual, mas sempre um ato social. Se fosse individual, a compreensão seria impossível.

A noção de dialogismo seria o princípio fundador da linguagem, visto que todo enunciado é um enunciado de alguém para outra pessoa. E conclui Marcuschi à página 21: pensar a língua como interação “retira a reflexão sobre a língua do campo da estrutura para situá-la no campo do discurso em seu contexto sociointerativo”. Essa concepção de linguagem como atividade social e interativa tem consequências relevantes para a visão do texto como unidade de interação, para entender a compreensão como atividade de construção do sentido promovida por um eu situado em relação com um tu igualmente situado, ambos mediados pela noção de gênero textual (ver Capítulo 12), que é uma forma de ação social. Não é, pois, a língua uma entidade linguística apenas formalmente constituída.

Essa concepção, no entanto, não nos deve levar a entender a linguagem como resultado de determinismos externos, assim como não é estrutura tão somente: ela é vista pelos interacionistas como forma de ação. Daí Marcuschi (2011, p. 22) afirmar que o uso e o funcionamento da linguagem dão-se “em textos e discursos produzidos e recebidos em situações enunciativas ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e realizados em gêneros que circulam na sociedade”. E, adiante, enfatiza: “não existe um uso significativo da língua fora das inter-relações pessoais e sociais situadas”. Assim, o uso autêntico da língua ocorre em textos realizados por sujeitos históricos e sociais “de carne e osso”, que apresentam alguma relação entre si e tenham algum um objetivo comum.

Outros estudiosos que introduziram o uso em suas pesquisas linguísticas foram: William Labov, que se ocupou da sociolinguística, John Austin e John Searle, que se dedicaram aos atos de fala, Robert-Alain de Beaugrande e Wolfang Dressler, que contribuíram decisivamente para os estudos da produção textual e da leitura como atividades de interação sociocultural.

Koch (2002, p. 14) entende que à concepção de língua como estrutura “corresponde a de sujeito determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de ‘não consciência’”.

Em relação ao sujeito, teríamos de considerar as seguintes posições:

1. Predomínio da consciência individual no uso da língua. Nesse caso, o sujeito da enunciação é responsável pela produção dos efeitos de sentido dos enunciados. A língua seria um código à disposição do indivíduo, que o utiliza como se não fosse um ente histórico. É o sujeito dono de suas palavras. A interpretação de seu texto implicaria tão somente descobrir suas intenções. Koch (2002, p. 14) afirma: “Compreender um enunciado constitui, pois, um evento mental que se realiza quando o ouvinte deriva do enunciado o pensamento que o falante pretendia veicular”. Para essa concepção de língua, há predomínio da consciência individual no uso da língua.

2. A segunda posição de sujeito é de assujeitamento e, nesse caso, o indivíduo não é senhor de seu discurso nem de sua vontade. Aquele que fala é um sujeito anônimo, social; o locutor dependeria desse sujeito social, seria um repetidor dele, mas teria a ilusão de que seus enunciados são originais e de que é livre para fazer e dizer o que deseja. Todavia, só diz o que lhe é permitido dizer na posição em que está, pois está inserido em uma instituição e em uma ideologia; ele seria apenas um porta-voz dessa outra voz. Há sempre um discurso anterior que fala por meio do indivíduo. O sentido de um enunciado depende da formação discursiva a que pertence, entendendo-se por formação discursiva o que, em uma formação ideológica dada, determina o que pode e o que deve ser dito. Nesse caso, não se admite que um sujeito psicológico seja responsável pelos enunciados, pois o sujeito do enunciado não controla o sentido do que diz. Possenti, citado por Koch (p. 15), não aceita essa tese in totum, visto que, “para que o sujeito possa ser concebido como algo mais que um lugar por onde o discurso passa, vindo das estruturas, é necessário fazer a hipótese mínima de que ele age […]. Para a compreensão de textos, são necessários, além do conhecimento linguístico, conhecimentos, experiências etc. que são classicamente analisados relativamente a sujeitos psicológicos, e não a posições e vetores. Penso que a Análise do Discurso ganharia se propusesse uma teoria psicológica, na qual o sujeito fosse ‘clivado pelo inconsciente’, mas não fosse reduzido a uma peça que apenas sofre efeitos”.


3. Uma terceira posição do sujeito advém da concepção de língua como lugar de interação. E esta vê o sujeito como ativo, participante; um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro.

      Essa concepção de língua é fundamental para o conceito de texto e de sentido. Se a língua é vista como representação do pensamento e o sujeito é senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é meramente um produto do pensamento do autor. Ao leitor ou ouvinte não cabe senão captar essa representação mental, bem como as intenções do autor. A ele caberia apenas um papel passivo. Se vejo a língua como instrumento de comunicação, como código, e o sujeito é determinado pelo sistema, o texto falado ou escrito é resultado da codificação que implicará um leitor ou ouvinte que o decodificará. Basta-lhe possuir a chave do código, o conhecimento do código, para ter acesso ao sentido. Portanto, um papel de interlocutor que também se revela passivo. Finalmente, na concepção interacionista da língua, ou dialógica, locutor e interlocutor são vistos como sujeitos, responsáveis pela produção do sentido. Afirma Koch (2002, p. 17):

Os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que dialogicamente nele se constroem e são construídos.

Essa concepção de língua, de texto e de sujeito rejeita o entendimento de que a compreensão é simples decodificação de uma mensagem codificada por um emissor. A compreensão é uma atividade interativa complexa, realizada com base em elementos linguísticos da superfície do texto, mas que implica a mobilização de um conjunto amplo de saberes (conhecimento de mundo, conhecimento enciclopédico)".

12 comentários:

  1. Muito legal o conteúdo ☺️☺️☺️

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  2. A língua é um conjunto organizado de elementos sons e gestos que possibilitam a comunicação.

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  3. A linguagem está sempre em construção, vivendo e evoluindo!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Na aula, aprendi que, de acordo com o INTERACIONISMO LINGUÍSTICO, Mikhail Bartin diz que a língua se constrói na interação, por isso, é uma concepção pragmática.
    Sendo assim, para adquirir a competência comunicativa, tal qual coloca Dell Hymes, é necessário praticar. Portanto, a língua é o meio de interagir. Assim, o indivíduo interage com outros indivíduos, logo é essa relação entre eles que produz a sociedade.

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  6. A linguaem é a forma como nos individuos nos expressamos e interagimos com o outro. É qualquer forma que utilizamos para representar o nosso pensamento ou sentimento.

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  7. Boa tarde!professor e senhores.
    Referente as abordagens lingísticas temos dois campos de atuação:
    Funcionalista:Corresponde às normas e as regras gramaticais eo seu funcionamento por intermédio da oralidade ou escrita.
    Sociointeracionista:é a interação entre seres, pela qual mediante interaçãos os mesmos podem se comunicar, interagir entre si e executar funções própias da língua.

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  8. A linguagem nada mas e que a forma que usamos para nos expressar com o próximo

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  9. A linguagem desde do princípio de várias maneiras eram forma de comunicação.Assim com o passar do tempo foi se intensificando.

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  10. A lingua é um conjunto organizado de elementos sons e gestos que possibilitam a comunicação.

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  11. Bom dia professor Luis Satie!Como o senhor está?espero que estejas bem,é a Elizabete professora de Línhua Portuguesa,deixarei o material do fichamento N1 e N2 com a coordenadora Krisna,ainda me encontro de atestado médico.Desejo melhoras para o senhor nosso excelentíssimo professor de Linguística. :) Maria Elizabete O Lima Direito 1 Período.

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