sexta-feira, 8 de abril de 2022

Classificação de Bagno

 

Português forense : língua portuguesa para curso de direito / João Bosco Medeiros, Carolina Tomasi.  8. ed.  São Paulo : Atlas, 2016, p. 30-36:

"A divisão, em sentido amplo, entre norma “culta” e norma-padrão é criticada por Bagno, que contesta o uso de termos como culto, popular, coloquial, formal, informal nos estudos sociolinguísticos. Se há uma linguagem “culta”, é de supor que a outra seja “inculta”. Essa, no entanto, não é uma nomenclatura muito adequada, pois é impróprio atribuir à linguagem defendida pela gramática normativa, que é apenas uma variedade do Português brasileiro, o nome de culta. Da mesma forma, o termo popular é impreciso, assim como coloquial.

Em A norma oculta, Bagno (2003, p. 59) contesta o uso das expressões língua popular, norma popular, variedades populares para designar as variedades linguísticas de falantes sem escolaridade superior completa, com pouca ou nenhuma escolarização, que moram ou na zona rural ou na periferia das grandes cidades. Popular não é antônimo de culto nem de inculto. Povo compreenderia apenas pessoas das classes sociais desprestigiadas? Existiria povo sem cultura? Muitas vezes, o adjetivo popular é usado pejorativamente para indicar algo de pouco valor, sem prestígio social.

Bagno (2015, p. 318-320) afirma:

Existem dois termos que, para a infelicidade geral da nação brasileira, são invocados a todo momento por leigos e não tão leigos quando o assunto é língua e ensino de língua. O primeiro é norma culta, que as pessoas teimam e reteimam em achar que é sinônimo de norma-padrão. E o segundo é coloquial ou coloquialismo, que os mesmos desinformados querem que seja sinônimo de popular ou falado […].

É impossível confundir aquilo que é o português brasileiro em suas múltiplas variedades, incluindo as dos falantes com maior prestígio socioeconômico (norma “culta”), e aquilo que uma longa tradição prescritivo-normativa, inspirada na literatura portuguesa do século XIX e em conceitos arcaicos de beleza e elegância herdados do pensamento gramatical greco-latino, criou no imaginário linguístico das pessoas, sobretudo das camadas privilegiadas da população (norma-padrão). Assim, uma construção como Falta dez dias para o Natal é perfeitamente culta, além de vernácula, por representar um uso difundido por todo o espectro socioeconômico da população brasileira, incluindo produções escritas mais monitoradas – no entanto, ela não é acolhida pela norma-padrão, que a rejeita veementemente como erro de concordância.

Em relação às noções de formalidade, informalidade, regionalismo e língua falada, Bagno (2015, p. 320-321) também enfatiza ser “erro sério definir a norma culta ou mesmo a norma-padrão como ‘linguagem formal’”. Um falante letrado não pode se valer de formas gramaticais em situações informais, como nos casos em que estrategicamente escolhe determinada variedade linguística para provocar humor, por exemplo. Uma situação informal não obriga o uso de uma variedade estigmatizada e vice-versa. Um falante da variedade estigmatizada também modula sua produção linguística, dependendo da situação, a fim de torná-la mais formal, ou seja, não há falante que se utilize apenas de um estilo.

Outra consideração de Bagno diz respeito à “boa teoria linguística” relativa às variedades que ocorrem na língua: ela não seria dicotômica, nem discreta (como a que afirma a existência de uma variedade “culta” em oposição a uma variedade “não culta”). Ela deveria considerar o contínuo da realidade sociolinguística de uma comunidade:

Um modelo de análise das interações verbais não pode de maneira alguma se reduzir a duas entidades estanques, cada uma delas mesclando e confundindo variação social, estilística e diamésica (fala/escrita), como se faz tão frequentemente quando se opõe, de um lado, “modalidade-padrão culta formal escrita” e, de outro, “modalidade popular informal coloquial falada” (BAGNO, 2015, p. 322).

Desfiando cada um dos elementos, Bagno propõe um contínuo que compreende: (1) + falado a + escrito; (2) – monitorado a + monitorado; (3) + vernáculo, passando por + padronizado até + hipercorreto; (4) + regional a – regional; (5) + rural a + urbano, passando por rurbano. E continua Bagno (2015, p. 322) afirmando que, dentro desse contínuo, todos os tipos de variação são possíveis, dependendo de quem fala/escreve, com quem, onde fala/escreve, quando fala/escreve, por que fala/escreve, para que fala/escreve etc. Considerando o contínuo mais falado até mais escrito, temos de levar em conta os gêneros textuais híbridos sobretudo os produzidos em ambientes virtuais, como os que ocorrem em salas de bate-papo; em relação aos textos falados, reputem-se os que foram previamente escritos e são lidos ou manifestados depois de decorados.

No contínuo que compreende os usos mais vernaculares, que são comuns a todas as variedades sociolinguísticas, aos usos mais padronizados, que buscam seguir as prescrições normativas, pode-se chegar até ao fenômeno da hiperecorreção. Nesse caso, seriam exemplos: fazem dez dias que não o vejo; haviam dez pessoas na sala; não tenho compreendido-o, que não são prescritos pela gramática tradicional e revelam insegurança linguística do locutor.

Bagno (2015, p. 12-13) entende que a realidade sociolinguística deva ser analisada sob os seguintes focos:

1. Norma-padrão: modelo idealizado de língua “certa”, prescrito pela tradição gramatical: “não corresponde a nenhuma variedade falada autêntica” nem à escrita mais monitorada.

2. Um amplo continuum que compreende: (a) o conjunto das variedades prestigiadas: “faladas pelos cidadãos de maior poder aquisitivo, de maior nível de escolarização e de maior prestígio sociocultural”;

(b) o conjunto das variedades estigmatizadas, “falada pela imensa maioria da nossa população, seja nas zonas rurais, seja nas periferias e zonas degradadas das nossas cidades, onde vivem os brasileiros mais pobres, com menor acesso à escolarização de qualidade, desprovidos de muitos de seus direitos mais elementares”.

Em Gramática: passado, presente e futuro, Bagno (2009, p. 45) afirma:

Na minha descrição, procuro mostrar que esses paradigmas se distribuem ao longo de um continuum dialetal, isto é, de uma linha sobre o qual distribuí as muitas variedades sociolinguísticas do português brasileiro: num de seusextremos estão as variedades rurais e/ou urbanas menos prestigiadas na hierarquia social, cujos falantes são os que mais sofrem com a injusta distribuição dos bens e das riquezas, sem acesso, entre outras coisas, a uma educação de qualidade; no outro, as variedades urbanas mais prestigiadas, cujos falantes ocupam os postos superiores da hierarquia social e têm acesso aos bens materiais e culturais mais valorizados, inclusive a uma boa educação formal. Entre os dois extremos, há uma grande zona intermediária. [rurbana].

Para Bagno (2003, p. 142), os fenômenos que normalmente são chamados de erros podem dividir-se em: //(1) traços graduais e (2) traços descontínuos. Os primeiros são os que ocorrem ao longo do contínuo das variedades em grau variável de frequência, maior ou menor; os traços descontínuos são os que ocorrem com maior frequência nas variedades estigmatizadas e vão desaparecendo conforme subirmos na escala social, ou nos aproximamos das variedades prestigiadas. Por exemplo:

1. Traço gradual: redução do ditongo ou, que é pronunciado o. É um fenômeno que ocorre em todas as variedades linguísticas do português brasileiro, em todas as classes sociais de qualquer região do Brasil, sem diferenças em relação ao nível de escolarização. Os brasileiros dizem ôro, poco, chego (ouro, pouco, chegou). Também há monotongação em: bejo, chero, dexa, pexe, quejo (beijo, cheiro, deixa, peixe, queijo). Ocorre que o que se escreve OU é pronunciado em todas as situações e contextos, tanto no português-padrão quanto no português não padrão. O que se escreve EI, porém, só se transforma em E em algumas situações” (BAGNO, 2001, p. 88).

2. Traço descontínuo: esse traço não aparece nas realizações linguísticas das variedades prestigiadas:trabaio, teia, paia (trabalho, telha, palha).

Constituem também traço descontínuo formas verbais como: nóis vai, nóis fumo, nóis fez. Falantes de variedades prestigiadas repelem essas formas por considerá-las de uso de falantes pouco ou nada escolarizados, de classe social inferior ou ignorantes da zona rural.

Em relação ao vocabulário, são traços descontínuos: despois, antonce, fruita, escuitar, menhã (essas palavras, no entanto, aparecem em fases mais antigas da língua portuguesa, mas hoje são estigmatizadas).

Enquanto os traços descontínuos são ridicularizados socialmente pelos falantes de variedades prestigiadas e no processo de escolarização os professores buscam eliminá-los, os traços graduais, quando assumidos pelas variedades prestigiadas, não são combatidos nem estigmatizados e deixam de ser considerados erros. São exemplos:

• Deixe eu ver/deixa eu ver = deixe-me ver.

• Entre eu e você = entre mim e você.

• Pega ela = pega-a.

• Tem coisa que só a Philco faz pra você (slogan da Philco que privilegia o uso de ter em lugar dehaver).

• Para mim fazer o que você pediu, vou demorar uma semana = para eu fazer o que você me pediu, vou demorar uma semana.

• Aluga-se casas = alugam-se casas (aqui o plural é defendido até mesmo por alguns estudiosos da língua, como Said Ali e Mattoso Camara).

Àqueles que censuram os que falam broco, grobo, cráudio, pranta, ingrês, Bagno (2001, p. 44) afirma que essa é uma tendência que o sistema aceita: vejam-se que igreja, praia, frouxo, escravo vieram do latim ecclesia, plaga, sclavu, fluxu. A noção de erro é uma avaliação negativa baseada em valor social atribuído ao falante, a seu poder aquisitivo, a sua escolarização, origem geográfica etc., e não uma avaliação linguística.

Vejamos um exemplo de uso da variedade prestigiada:

Constata-se, desde logo, a regra de que apenas por lei é possível criar contribuições para o sistema de seguridade social. É o princípio da legalidade que escora a cobrança das contribuições sociais. Lei, aqui, tem conotação estrita. Está a significar norma formal aprovada pelo Poder Legislativo, dentro de regular processo legislativo. Fora desse contexto ficam decretos, portarias, circulares etc. O princípio da legalidade, na cobrança das contribuições sociais, está estatuído na Constituição da República, em diversos dispositivos. O mesmo acontece relativamente à alteração de percentuais ou de alíquotas, particularmente quando aumentam mencionadas contribuições. A modificação da base de cálculo, em prejuízo do contribuinte, hipótese equiparada à direta majoração, submete-se à mesma vedação. A medida provisória é instrumento legal para estabelecer ou majorar contribuições sociais desde que observados os pressupostos constitucionais para sua sanção. Vale dizer, circunstância em que estão presentes relevância e urgência. Relevância tem sentido de grande valor, algo que é absolutamente conveniente. Urgência está relacionada com algo que deve ser feito imediatamente, para evitar perdas e danos. A medida provisória, em sua substância, constitui espécie de norma que absorve autêntico adiantamento dos efeitos da possível futura lei. O periculum in mora, paralelamente à relevância, é o alicerce que arrima esse anômalo poder legiferante do Presidente da República (GONÇALES, 2003a, p. 63-64).

As variedades prestigiadas, faladas ou escritas, são muitas; podem ser utilizadas em variados gêneros: literários, técnicos, administrativos etc. Em geral, os administrativos exigem um grau de monitoração mais elevado, como se pode verificar no exemplo seguinte: neles são comuns perífrases, uso de jargão, expressões técnicas, formalidades de tratamento. Deles estão ausentes expressões carregadas de espontaneidade, bem como gírias. Essa variedade aproxima-se do padrão gramatical. Vejam-se os casos dos gêneros forenses, em que é comum vocabulário próprio: em vez de assinatura, o usuário da língua dá preferência a firma; no lugar de você, o tratamento é V. Sa.

O jargão, o excesso de formalidade, as palavras estrangeiras (são comuns no direito expressões em latim), as abreviaturas contribuem para burocratizar a linguagem e afastar o leitor comum de uma decodificação rápida. Exemplo:


São Paulo, 26 de maio de 2016.

Ilmo. Sr. Diretor:

Data venia, sugerimos a V. Ex.ª, para evitar a repetição de casos da mesma natureza, seja baixado o Regimento Interno que discipline o funcionamento do referido Órgão, de acordo com o Decreto-lei nº 200/67 e o Código de Contabilidade Pública, no que couber.

Certos de havermos envidado todos os esforços no cumprimento do mandato que V. Ex.ª nos conferiu, subscrevemo-nos atenciosamente,

Fulano de Tal

Se a burocratização da linguagem for produzida com a preocupação de ser entendida por poucos (incompreensão criada voluntariamente), gera obscuridade e confunde o leitor, contrariando, pois, a função da linguagem que é a comunicação.

Nunca é demais salientar que o uso da linguagem técnica deve estar condicionado à adequação e à necessidade. A propósito, transcrevemos texto de Antonio Candido:

"Não há razão para evitar os termos técnicos quando são necessários, mas sempre que possível prefiro usar a linguagem corrente. Digamos que é mais um modo de ser do que uma decisão. Quando era moço li um livro do antropólogo inglês Evans-Pritchard que me confirmou nesta tendência. Ele dizia que a antropologia não é ciência, mas disciplina humanística, de modo que deve usar a linguagem comum. Foi o que procurei fazer quando era assistente de sociologia, à qual estendi o conceito, e foi o que sempre fiz nos estudos literários. Além disso, tenho o hábito didático de ser o mais claro possível, reconhecendo que isto pode ser fator de deficiência, pelo risco de simplificação indevida (Folha de S. Paulo, 9 nov. 2006, p. E1)."

Vejamos um texto do gênero forense, uma medida cautelar de justificação, transcrita de Gediel Claudino de Araujo Júnior (2016, p. 697-698)):

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Mogi das Cruzes, SP.

J.F. de O. brasileira, solteira, professora, portadora do RG 000.000 e do CPF 000.000.000-0, residente e domiciliada na Rua Frei Bonifácio Harink, n. 00, apartamento 00- 0, bloco 00, bairro Boturuju, nesta Cidade e Comarca, por seu Advogado firmado in fine, mandato incluso, vem perante Vossa Excelência propor ação de justificação, observando-se o procedimento previsto nos arts. 382 e 383 do Código de Processo Civil , pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

1. A requerente é mutuária de um apartamento da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), onde reside, com prestação mensal estipulada no valor de R$ 382,76 (trezentos e oitenta e dois reais, setenta e seis centavos). Tal valor foi estabelecido em função da renda da requerente somada com a renda de seu companheiro, Sr. G.A.B. de Tal, conforme demonstram documentos anexos.

2. De fato, a requerente viveu em união estável com o Sr. G. até o mês de julho de 0000, quando, por motivos de foro íntimo, foi desfeita a relação, deixando o companheiro o lar conjugal para não mais voltar. Tal fato alterou drasticamente a situação financeira familiar, já que passou então a requerente a contar somente com seu ganho mensal, insuficiente para arcar com o valor da prestação do referido imóvel.

3. Diante de tal situação, a requerente procurou os representantes da mutuante, quando foi informada que a diminuição no valor da prestação está condicionada à demonstração do término efetivo do estado de concubinato entre os mutuários, bem como à demonstração de quem ficou residindo no imóvel.

Ex positis, requer:

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Provará o que for necessário, usando de todos os meios permitidos em direito, em especial pela juntada de documentos (anexos) e oitiva de testemunhas (Rol anexo).

Dá ao pleito o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).

Termos em que, 
p. deferimento.

Mogi das Cruzes, 00 de setembro de 0000.

Gediel Claudino de Araujo Júnior OAB/SP 000.000


Acquaviva (1994, p. 11), por sua vez, entende que a terminologia jurídica “é a mais antiga linguagem profissional que se conhece”. E acrescenta texto de Miguel Reale:

"Cada cientista tem a sua maneira própria de expressar-se, e isto também acontece com a Jurisprudência, ou Ciência do Direito. Os juristas falam uma linguagem própria e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar, dignidade de que bem poucas ciências podem invocar."

Profissionais de outras áreas também fazem uso de linguagem específica, como garimpeiros, pescadores, com a diferença, porém, de que estes não fazem uso da variedade prestigiada.

É relevante ter sempre em vista o público a que nos dirigimos. Um jornalista e um publicitário experientes optam em seu trabalho por uma variedade que se adapta a seu público-alvo; em geral, valem- se da variedade “culta”, ou seja, a língua que pessoas que têm curso superior completo usam no cotidiano, e não da variedade chamada norma-padrão; não redigem textos em linguagem só compreensível pelos doutores, nem escrevem textos utilizando uma variedade linguística desprestigiada. Nesse sentido, o texto de Ceneviva a seguir transcrito tem esse cuidado com a comunicação:


Código Civil amenizará diferenças de sexo

O Código Civil de 1916, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1917, privilegiou claramente o masculino, como era uso ao seu tempo. O pai era o chefe da sociedade conjugal, a mulher casada era relativamente incapaz, a gerência e a administração dos bens era do marido e havia longuíssima enumeração dos requisitos do dote, constituído pela noiva, por seus pais ou por estranhos, a ser administrado exclusivamente pelo marido. O dote poderia compreender todos os bens da noiva na data do casamento e os que ela, no futuro, viesse a adquirir. Se tudo isso despertar a curiosidade do leitor, basta ler os artigos 278 e 309 do Código Civil ainda [de 1916]."

Algumas discriminações foram desaparecendo ao longo do tempo, como aconteceu com a chefia absoluta da sociedade conjugal, extinta em 1962. As discriminações sociais resistiram muito para desaparecer. A mulher preferia suportar os defeitos do esposo a deixá-lo, pois era ela que quase sempre pagava pelo peso social de ser, como se dizia, “largada do marido”.

O preconceito, porém, não terminava aí. A palavra homem foi tomada na lei brasileira durante grande parte do século 20 como significando a pessoa titular de direitos, enfim, o ser humano. A rigor, continuará a existir até o fim deste ano [2002], quando terminará a vigência do código de 1916, cujo artigo 2º diz: “Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil.” Uma forma de anulação do casamento ainda está reservada exclusivamente ao homem. Está no parágrafo 1º do artigo 178 do velho código, que prescreve “em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o casamento contraído com mulher já deflorada”.

As mudanças que começarão a viger em 1º de janeiro próximo [2003] eliminaram expressões impróprias e discriminadoras. Assim, o artigo 1º passará a dizer que “toda pessoa é capaz de direitos e de deveres na ordem civil”. O critério para a capacidade civil é o mesmo para homens e mulheres. O artigo 21 dará a síntese do que há de mais importante para o direito da personalidade: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma.”

O novo artigo 1.565 dirá tudo a respeito da igualdade no casamento. O homem e a mulher serão “consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”. Nem mesmo subsistirá a tradicionalíssima imposição de a mulher adotar o nome de família do marido ou, no máximo, manter o nome de solteira. A contar do ano que vem, qualquer dos noivos, querendo, poderá acrescer o sobrenome do outro ao seu. Seja o dele, seja o dela.

A modernidade poderia ter vindo antes. A designação de masculino e feminino varia de idioma para idioma. Nós, brasileiros, entoamos loas à beleza romântica e prateada da Lua, doce e feminina, em contraste com o Sol vigoroso. Pois, em alemão, a Lua está no masculino (der Mond) e o Sol é a doce, mas quente donzela (die Sonne). Em francês, o erro é “a” erro, no feminino. A mensagem jurídica transmitida por esta coluna é feminina no Brasil. Se fosse na Itália, seria no masculino (il messaggio). Não é necessário ir além nos exemplos. Basta dizer que o Código Civil de 2002, mesmo não tendo atingido o ideal dos que o criticaram, eliminou muitas discriminações, acompanhando, nessa parte, um salto vigoroso na sociedade brasileira (CENEVIVA, Walter. Código Civil amenizará diferenças de sexo. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 17 ago. 2002. p. C2).""

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Preconceito e intolerância linguística

  Português   forense   :   língua   portuguesa   para   curso   de   direito   /   João   Bosco   Medeiros,   Carolina   Tomasi.   –   8.  ...