sexta-feira, 8 de abril de 2022

Classificação de Castilho

Português forense : língua portuguesa para curso de direito / João Bosco Medeiros, Carolina Tomasi.  8. ed. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 26-29:



"No estudo do variacionismo, Castilho (2010, p. 87) parte de Spir, para quem a variação linguística leva à mudança: havendo duas ou mais formas em competição, uma acabará por vencer a outra e ocorrerá a mudança na língua. E foi com base em tal afirmação que William Labov elaborou a teoria da variação e mudança.

Qualquer que seja a comunidade, há sempre uma variedade social que goza de maior prestígio. Essa norma recebe o nome de norma-padrão. Para Castilho (p. 90), três são os tipos de norma: a norma objetiva (seria o padrão real no uso da língua, o uso linguístico concreto praticado pela classe social que goza de prestígio); a norma subjetiva (que seria o padrão idealizado; uso que se espera que as pessoas realizem em determinadas situações) e a norma pedagógica (que seria o padrão escolar, uma mistura de realismo com idealismo em relações aos fenômenos linguísticos).

Por obedecerem a uma sistematicidade e a uma regularidade (norma), a variação e a mudança, no entanto, não impedem a intercompreensão.

Considerando a discriminação comum em nossa sociedade com relação a pessoas que praticam variedades estigmatizadas, Castilho (1978, p. 33, 34) afirma que

uma série de desinteligências tem assinalado em nossos meios a compreensão do que seja a norma prescritiva. […] Na verdade, não há português errado, e sim modalidades de prestígio e modalidades desprestigiadas, cada qual correspondendo ao meio em que se acha o falante.

Há certas causas que desencadearam preconceitos linguísticos, principalmente o desprestígio da variedade não monitorada. Uma de tais causas é a anterioridade da gramática normativa em relação à Linguística:

A Gramática Normativa é uma disciplina que antecedeu largamente a Linguística. Ela se fundamentava em critérios inconsistentes, pois misturava argumentos propriamente linguísticos a argumentos de natureza estética, política e historicista. É singular a resistência dessas ideias tradicionalistas, as quais atravessam as idades como verdades sólidas, evidentes por si sós (CASTILHO, 1978, p. 36).

Critérios extralinguísticos atribuem à gramática normativa adjetivos como “bela”, “elegante”, a língua da classe “elevada”, “clássica” etc. O que ocorre, entretanto, é a necessidade de entendermos o que é diglossia. Castilho (1978, p. 41) afirma:

Trata-se de duas variedades da mesma língua que escolhemos alternativamente, tendo em vista a situação em que nos encontramos. Difere portanto do bilinguismo, hipótese em que duas línguas são disponíveis, e a escolha de cada qual depende da que é falada pelo interlocutor. Se o professor, que por sua formação domina a língua culta, vai ter alunos falantes de uma modalidade desprestigiada, entre ele e sua classe vai instalar-se uma situação de diglossia.

Não há, por exemplo, diglossia somente entre o professor e o aluno, mas também entre o advogado e a pessoa que ele defende, o juiz e a vítima, caso esta seja de uma classe desprestigiada.

Se a variação linguística ocorre entre períodos de tempo, recebe o nome de diacrônica; se ocorre em espaços geográficos diversos, recebe o nome de variação diatópica, frequentemente conhecida pelo nome dedialeto. Borba (1976, p. 63) ensina que um dialeto apresenta “desvio em todos os planos da língua: fônico, gramatical e vocabular”. Para Jota (1981, p. 104), o dialeto caracteriza uma “variedade regional de uma língua”. Ensina ainda que um dialeto2 pode constituir nova língua e que, “modernamente, se conceitua dialeto como um conjunto de isoglossas”.

Para Castilho (2010, p. 198, 204-209, 211-213, 223), as variedades linguísticas do português brasileiro organizam-se segundo os seguintes eixos:

1. Variação geográfica: compreende variações regionais. Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua, particularmente com relação à realização fonética, escolhas morfológicas (por exemplo, uso de tu ou de você), realização ou não de plurais (“os meninos”, “os menino”), conjugações verbais: “você pode”, “tu podes”, “tu pode”, “a gente pode”), uso de lhe como objeto direto (“não lhe vejo há muito tempo”), uso do pronome ele como objeto direto (“olhe ele aí”), uso de vocabulário e expressões idiomáticas.

2. Variação sociocultural: originada por idade, sexo, profissão, nível de estudo, classe social. Pessoas altamente escolarizadas fazem uso da variedade “culta”, mais prestigiada, aprendida na escola; já as pessoas da área rural ou que praticam a variedade rurbana (mistura de rural com urbano) praticam uma variedade estigmatizada, mas é de lembrar que os colonos portugueses introduziram no Brasil tanto a modalidade prestigiada quanto a não prestigiada; predominaram “os falantes do português popular” (CASTILHO, 2010, p. 204). Seriam exemplos das variedades não prestigiadas para Castilho: ditongação das vogais tônicas seguidas de sibilantes: mêis (mês), luiz (luz); perda da vogal átona inicial: marelo (amarelo); nasalização das átonas iniciais: indentidade (identidade), inzame (exame); queda das vogais átonas pós-tônicas nas proparoxítonas: oclos (óculos), arvre (árvore), cosca (cócega); monotongação: pexe (peixe), bejo (beijo);ditongação: bandeija (bandeja); perda da nasalidade: viági (viagem), os homi (os homens), reciclági (reciclagem); monotongação de ditongos crescentes: ciença (ciência) negoço (negócio). Em relação às consoantes, Castilho (2010, p. 206) relaciona: troca do [l] pelo [r]: marvado (malvado), pranta (planta);iodização da palatal lh: veyu (velho), o’reya (orelha); perda da consoante [d] quando precedida de vogal nasal: andano (andando). Morfologicamente, teríamos as seguintes realizações: perda do s final indicativo de plural, que passa a ser marcado pelo artigo: as pessoa (as pessoas); utilização do advérbio mais nos comparativos de superioridade: mais mió, (melhor), mais pió (pior); alteração no quadro dos pronomes pessoais: uso de você no lugar de tu em quase todo o País; substituição de nós por a gente; o se reflexivo deixa de ser exclusivo da terceira pessoa: eu se esqueci, nós não se falemo mais (nós não nos falamos mais);substituição de o por lhe como objeto direto: não lhe ouvi direito (não o ouvi direito); em geral esse lhe é realizado na língua falada como lê ou li.

Em relação à variedade “culta”, prevalecem: uso de tu nas regiões Norte e Sul do Brasil; no Rio de Janeiro, é comum o uso de tu, mas com o verbo sem s: tu sabe; também na variedade “culta” se pode observar o uso de a gente em lugar de nós; o reflexivo se mantém seu traço de 3.ª pessoa gramatical: ela se maquilou rapidamente; é comum a ausência do pronome: eu [me] casei ano passado; eu [me] formei mês passado); na língua “culta” falada é frequente a troca do pronome lhe por pra ele, pra ela: falei pra ela não vir; uso de lhe no lugar de te: vou lhe contar uma coisa. A redução dos pronomes possessivos a meu, seu, dele é comum tanta na variedade prestigiada quanto na não prestigiada. Raramente, ocorre teu: isso não é da tua conta. Deixa de haver distinção entre os pronomes demonstrativos entre este e esse tanto na variedade dita “culta” quanto na estigmatizada. O pronome cujo deixa de existir tanto na fala “culta” quanto na estigmatizada. Na morfologia verbal, ambas as variedades apresentam diferenças: fizemu (fizemos), falemu (falamos). Castilho (2010, p. 208) lembra que, por hipercorreção, pode-se ouvir: a gente falamos, na variedade “culta” não se encontra essa forma. Em relação à sintaxe, na variedade estigmatizada encontram-se: as pessoas fala (as pessoas falam). Já a omissão do objeto direto é fato comum tanto à variedade estigmatizada quanto à variedade prestigiada: você estudou a lição? Eu estudei. Também é comum em ambas as variedades o uso de ele como objeto direto: eu vi ele, bem como, em algumas regiões, o uso de lhe: como objeto direto: eu lhe vi. O uso de ter por haver é fenômeno comum a ambas as variedades, tanto a “culta” quanto a estigmatizada:hoje não tem almoço, só lanche. Em relação ao uso do pronome relativo, há preferência em ambas as variedades pela relativa cortadora (sem a preposição): esse é o livro que eu gosto (esse é o livro de que eu gosto), “Mercedes-Benz: a marca que todo mundo confia!” (slogan de propaganda de uma montadora de automóveis) (pela gramática tradicional, teríamos: Mercedes-Benz: a marca em que todo mundo confia!). Na variedade estigmatizada, também é comum a relativa copiadora: esse é um doce que eu gosto muito dele. A relativa padrão, que raramente é usada na fala “culta”, pode aparecer em textos escritos altamente monitorados: os livros de que dispomos são apenas de Direito Tributário.

3. Variação individual. Para Castilho (2010, p. 211), “a língua produzida segundo esse eixo é denominada registro”; nessa variedade, podem-se distinguir o português brasileiro mais espontâneo e o português mais refletido. Bagno prefere as expressões mais monitorado e menos monitorado. Podemos falar mais à vontade entre pessoas do convívio comum e com mais cuidado com relação a pessoas que não são de nossa intimidade. Todas as pessoas, sejam praticantes da variedade estigmatizada, seja da variedade prestigiada, adaptam sua fala, conforme a situação e o ouvinte. Em um e-mail ou um WhatsApp entre amigos, é mais comum o uso de uma variedade menos preocupada com a norma- padrão; se falamos com uma autoridade ou escrevemos para ela, é possível que nos valhamos de uma variedade mais preocupada com a gramática.

4. Variação de canal. Varia nossa fala, conforme o canal que utilizamos. Ao telefone, usamos uma variedade diferente daquela que usamos se o interlocutor estivesse à nossa frente. É diferente a variedade que utilizamos em um torpedo ou WhatsApp daquela de que nos valemos em uma petição, por exemplo. Levamos em consideração também o interlocutor, uma vez que a construção dos enunciados depende da relação dialógica que com ele estabelecemos. Dentro ainda dessa variedade, é de considerar a língua escrita e a língua falada (variação diamésica). Finalmente, é de lembrar que a língua falada e a língua escrita conhecem variadas situações: há aquelas mais tensas e aquelas menos tensas; umas exigem mais monitoração, outras, menos. Uma conversa com amigos funciona com uma variedade, uma fala em uma conferência exige outra variedade. Um bilhete escrito para compras em casa pede uma variedade; um ensaio ou um artigo científico pedem outra variedade.

5. Variação temática: diz respeito ao modo como tratamos um assunto. Se discorremos sobre um assunto do nosso cotidiano, usamos uma variedade do português brasileiro mais espontânea; se tratamos de um assunto mais técnico, a variedade que utilizaremos será possivelmente mais elaborada. Exemplificando: uma dor de barriga é uma dor abdominal para um médico".

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