sexta-feira, 8 de abril de 2022

Variedades sociais

 

Português forense : língua portuguesa para curso de direito / João Bosco Medeiros, Carolina Tomasi. – 8. ed. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 20-25:


"No estudo da variação sociolinguística, os linguistas observam a existência de variedades sociais a que atribuem o adjetivo cultas. A variedade “culta” pode ser assim definida: é aquela que ocorre em usos da língua de forma mais monitorada, que são realizados por segmentos urbanos, que estão no meio para cima na hierarquia econômica e com amplo acesso aos bens culturais, particularmente a educação formal, e à cultura escrita.

Trata-se de uma variedade que é recorrente na expressão linguística desses segmentos sociais, em situações de maior monitoração. Por isso, recorre-se muitas vezes à expressão norma culta real. Essas variedades sociais, no entanto, não são homogêneas (é de lembrar que não há uma variedade “culta”, mas várias), embora apresentem traços comuns, difundidos quer pela televisão, rádio, jornais impressos, bem como pela escolarização de longo alcance.

A variedade “culta” falada difere da variedade “culta” escrita; a escrita é sempre mais conservadora que a fala, ainda que se possa verificar na escrita a presença de estruturas provenientes da fala “culta”.

Com base nesses conceitos, salienta-se então que, como as variedades “cultas” são manifestações do uso normal (no sentido de regular, comum, corriqueiro) da língua,

a norma-padrão quando existe em determinada sociedade é um constructo  idealizado  (não  é  um “dialeto” ou  um conjunto de “dialetos”, como o é a norma culta, mas uma codificação taxonômica, de formas tomadas como um modelo linguístico ideal) (FARACO, 2009, p. 172).

A fixação de um padrão é resultado de um projeto político que objetiva impor uniformidade

onde a heterogeneidade é sentida como negativa (como “ameaçadora de uma certa ordem”). Foi esse o caso do Brasil no século XIX em que certa elite letrada, diante das variedades populares (em particular do que se  veio  a  chamar pejorativamente de “pretoguês”) e face a um complexo jogo ideológico (em boa parte assentado em seu projeto de construir um país branco e europeizado) trabalhou pela fixação de uma norma-padrão (p. 172).

Foi, para o linguista, o desejo de construir uma sociedade branca e europeizada que levou a elite a renegar as características linguísticas do País. Inicialmente, impedindo, no século XVIII, o uso das línguas indígenas e da língua geral e, posteriormente, na segunda metade do século XX, impondo à sociedade uma norma-padrão artificial que atormenta os brasileiros.

Embora mostre uma relativa unidade linguística, o Brasil tem dificuldade de reconhecer sua cara linguística: não admitimos que somos um país multilíngue, pois há centenas de línguas indígenas e dezenas de línguas de imigração, que são minoritárias, mas significativas para nosso patrimônio cultural. Além disso, o que se observa no português falado pela maioria dos brasileiros é que se trata de uma língua não uniforme, mas diversificada tanto no espaço geográfico quanto no espaço social. Essa diversidade não constitui problema, mas uma riqueza cultural de que temos de nos orgulhar, e não de nos envergonhar: “o problema está nas formas como lidamos com essa diversidade […]. O problema está nas imagens saturadas de valores negativos que temos de nós como falantes” (FARACO, 2009, p. 181).

A norma-padrão é uma norma distante das variedades “cultas” praticadas no Brasil. Em seu nome, têm-se praticado uma violência simbólica e uma discriminação sociocultural. Diante desses fatos, os linguistas entendem que não há por que ocupar-se de uma norma que não é utilizada e que é preciso defender o acesso escolar às variedades “cultas”. Defendem que à norma-padrão sejam incorporados, em gramáticas e dicionários, os fenômenos característicos das variedades “cultas”, ou seja, é necessário que a norma-padrão seja um reflexo da norma “culta” praticada no Brasil. Há algum sentido, já entrado o século XXI, em continuarmos nos ocupando da norma-padrão, visto não haver consenso sobre a expressão falada padrão? Temos mesmo necessidade de fixar uma norma-padrão brasileira? A diversidade linguística nacional põe algum risco à unidade das variedades “cultas” faladas? Evidentemente, a essas perguntas retóricas cabe uma resposta: não.Conclui Faraco (2009, p. 174):

Diante desses fatos, talvez possamos mesmo abrir mão de projetos padronizadores, direcionando nossas energias para o que efetivamente interessa: de um lado, a descrição e a difusão das variedades cultas faladas e escritas; e, de outro, o combate sistemático aos preceitos da norma curta que, em nome de uma norma-padrão artificialmente fixada, ainda circulam entre nós quer na desqualificação da língua portuguesa do Brasil, quer na desqualificação dos seus falantes.

Para Zilles, no prefácio à obra de Faraco (2009, p. 15),

sofremos, de fato, uma esquizofrenia linguística, pois amargamos uma dura dissociação entre a ação (o modo como falamos) e o pensamento (o modo como representamos o modo como falamos). Essa dissociação, contudo, não é endógena como a patologia cujo nome tomamos emprestado acima, pois seu arcabouço é sócio-histórico, e,  portanto,  passível  de  ser conhecido, explicado e quiçá modificado. Mas é preciso querer fazê-lo. É preciso vontade política.

Segundo Zilles, ainda, a norma linguística modelar recebe diversas denominações: norma culta, norma-padrão, norma gramatical, gramática, língua culta, língua-padrão, língua certa, língua cuidada, língua literária, entre tantas outras.

Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 193), examinando a falsa sinonímia norma-padrão = norma culta, fez levantamento dos autores de livros didáticos e encontrou as seguintes expressões: língua culta, língua formal, língua oficial, língua-padrão, linguagem formal, modalidade culta, norma culta, norma-padrão, padrão culto, padrão formal, português-padrão, pronúncia-padrão, uso culto, uso formal, variação-padrão, variante culta, variante-padrão, variedade culta, variedade formal, variedade-padrão, variedades de prestígio.

Até mesmo no ENEM, Bagno (p. 197-198) identificou imprecisão terminológica em relação à “norma culta”, que é tratada como modalidade culta, modalidade culta escrita, modalidade-padrão, norma culta escrita, norma-padrão. E, adiante (p. 210), volta a insistir que, quando se usa a terminologia norma culta nas provas do ENEM,

o que está em jogo é a variação social da língua, isto é, as diferenças que a  língua  apresenta  de  acordo  com variáveis sociais como classe socioeconômica, grau de escolarização, idade, sexo, ambiente rural ou urbano etc. Quando se usa, por outro lado, a escala de formalidade (ou de monitoramento) para avaliar determinado uso da língua, o que está em jogo é a variação estilística.

Ora, a falta de precisão com relação à nomenclatura revela que o que está no centro das discussões é mal compreendido e mal avaliado pela sociedade brasileira. Faraco (2009, p. 121), com base nas acusações de puristas que viam erros nos clássicos, “sempre que seus usos desmentiam as regras agora inventadas” (p. 120), afirma que

é certamente esse vício de origem a causa principal do desenvolvimento da norma curta entre nós – essa coleção de preceitos categóricos que se autojustificam, que recusam a norma real, que desmerecem o trabalho dos escritores,  dos  bons dicionaristas e gramáticos e que excluem qualquer diversificação de suas fontes.

Essas críticas à postura purista e conservadora no uso da língua, no entanto, não devem ser entendidas como uma postura relativista no estudo do português brasileiro. Em relação ao ensino da língua materna, Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 200) endossa o pensamento de Magda Soares, para quem as camadas populares têm o direito “de apropriar-se do dialeto de prestígio”. O objetivo desse tipo de ensino seria

levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma  sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais.

Não se trata, pois, de abandonar o ensino exclusivo de uma norma, mas de “assumir a responsabilidade de letrar os aprendizes, isto é, inserir os cidadãos na cultura eminentemente letrada que domina a sociedade em que vivem, familiarizando-os com os mais diversos tipos e gêneros discursivos, falados e escritos, que circulam na sociedade” (BAGNO In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 201).

A questão da língua no Brasil, para os linguistas, não é apenas linguística, mas, antes de tudo, política, no sentido de que a variedade prestigiada é que deveria ser ensinada na escola, e não a norma-padrão, variedade abstrata, que não é falada na sociedade brasileira. A relevância do tema pode ser observada sobretudo quando se depara com efeitos deletérios que o preconceito linguístico produz, principalmente a intolerância linguística, notável em expressões que diminuem pessoas que dominam outras variedades linguísticas, as não prestigiadas socialmente: ignorante, estúpido, desqualificado, idiota e outras que aproximam seres humanos do mundo animal.

Toda língua é heterogênea, isto é, é constituída por um conjunto de variedades; a realidade das línguas não é a unidade homogênea. Segundo Castilho (2010, p. 197), as línguas, além de heterogêneas, são voltadas para a mudança. Não há, pois, senão variedades linguísticas e não, propriamente, uma língua superior às variedades, visto que são estas que lhe dão sustentação, que a fazem ser uma língua; nem há língua de um lado e variedades de outro; língua é o conjunto das variedades.

Faraco define então língua não como entidade linguística, mas como entidade cultural e política, ou seja, critérios puramente linguísticos não são adequados para definir língua, pois ela comporta tanto a dimensão política quanto a cultural.

Cada variedade segue uma norma. Ora, como toda norma apresenta uma organização estrutural, não há consistência em afirmar a existência de erro em língua. Isso significa que toda variedade possui uma gramática. Falar em erro seria aplicar a organização estrutural de uma variedade a outra variedade. E é por querer aplicar a estrutura da variedade prestigiada à variedade não prestigiada (estigmatizada) que são comuns, na sociedade brasileira, juízos depreciativos sobre esta última: identifica-se erro quando se trata tão somente de diversidade. E, em geral, apenas são percebidas como erro as formas não usadas pela classe que desfruta de prestígio.

Toda realidade linguística organiza formas heterogêneas, híbridas e mutantes. Essa a razão por que Faraco utiliza a expressão norma curta para referir-se aos que se valem de uma norma supostamente “culta” para discriminar outras variedades linguísticas. A norma culta é uma norma estreita, particularmente porque desconsidera o que já está registrado em dicionários e até em determinadas gramáticas. Esse é o caso, por exemplo, da regência do verbo assistir como transitivo direto, que alguns puristas teimam em considerar como errônea (“ele assistiu o programa Roda Viva”), mas que já é usada corriqueiramente por pessoas de educação superior e de status social de prestígio; a despeito do desagrado dos puristas, essa forma já está registrada em dicionário: “na literatura contemporânea, a tendência, ao que parece, é para o complemento direto” (LUFT, 1999, p. 79). Cunha (1985, p. 508) também é assertivo em relação a tal uso:

Na linguagem coloquial brasileira, o verbo constrói-se, em tal acepção [“estar presente, presenciar”], de preferência com objeto direto (cf.: assistir o jogo, um filme), e escritores modernos têm dado acolhida à regência gramaticalmente condenada.

Norma culta, portanto, porque nela cabem apenas condenações a formas que indistintamente os brasileiros usam no seu dia a dia; norma em que não cabe nada além de preconceitos linguísticos, tachando de ignorantes os que se utilizam de variedades menos prestigiadas.

O uso da expressão norma culta, ultrapassando os muros da universidade, tornou-se comum no discurso da mídia, mas perdeu a precisão semântica. E mesmo no discurso universitário a expressão apresentava imprecisão, confundindo-se com norma-padrão, que é outro conceito distinto. Norma culta também é identificada com norma gramatical, uma norma que se distancia e às vezes conflita com o uso culto efetivo que ocorre no Brasil. Nos estudos linguísticos, considera-se culto o uso da língua praticado por pessoas de escolarização superior (os que fizeram universidade), têm acesso a bens culturais, como jornais, livros, teatro, cinema, nasceram, cresceram e sempre viveram em ambiente urbano, como já afirmamos.

Tradicionalmente, quando se fala em estudar ou ensinar português, vem à mente o ensino da gramática; daí a sinonímia, em nossa sociedade, entre ensinar gramática e ensinar português. E ensinar gramática também nunca esteve livre de distorções: entendia-se ora que se tratava de ensinar nomenclatura, conceitos, classificações, ora ensinar usos que os gramáticos entendiam ser o “correto”.

A escola tradicional negava a variação linguística em seu ensino. Ela entendia que variação é equivalente a erro e lhe caberia corrigir os desvios. Ora, embora o tema da variação tenha sido ultimamente objeto do discurso pedagógico, ainda não conseguimos “construir uma pedagogia adequada a essa área”.

Em vez da preocupação com projetos padronizadores do português brasileiro, poderíamos dedicar esforços no sentido da descrição e difusão das “variedades cultas faladas e escritas” e combater sistematicamente os “preceitos da norma curta que, em nome de uma norma-padrão artificialmente fixada, ainda circulam entre nós quer na desqualificação da língua portuguesa do Brasil, quer na desqualificação dos seus falantes” (FARACO, 2009, p. 174). E, citando Lucchesi, afirma que o combate é de natureza política:

o estigma ainda recai pesadamente sobre as variantes mais características da norma popular, fortalecendo-se a cada dia […] um preconceito que, sem fundamento linguístico, nada mais é do que a crua manifestação da discriminação econômica e da ideologia da exclusão social (p. 174). 

Um dos projetos padronizadores é o da pronúncia brasileira, que ocupou a intelectualidade nas décadas de 1930-1950, mas foi abandonado. Entendia-se que a pronúncia carioca seria a padrão para o teatro, o canto, os meios de comunicação social. Conclui Faraco: “O Brasil passa muito bem sem uma norma-padrão para a pronúncia: ela não se mostra nem necessária, nem conveniente” (p. 175). Em relação à escrita, afirma a necessidade de uma grafia-padrão, a do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Todavia, com relação à regulamentação dos fenômenos sintáticos, com objetivo de padronização, questiona:“não basta deixar que o normal seja o normativo para a fala e para a escrita?” (p. 175).

Tudo isso parece de difícil assimilação, porque ainda nos assombra a norma-padrão escrita fixada no século XIX. Em vez de nos ocuparmos com uma gramática que não corresponde aos nossos usos linguísticos, precisamos é nos familiarizar com diferentes gêneros discursivos, e não apenas com textos literários; o domínio da leitura e a produção textual de outros tipos de textos são igualmente necessários; entre eles, podemos citar: os textos jornalísticos, os de divulgação científica, os textos argumentativos, a propaganda, os textos administrativos (oficiais, comerciais) e técnicos. Já não cabe à escola ocupar-se do gênero redação escolar, ou seja, aquela produção artificial, sem respaldo social e apenas com a preocupação com notas escolares. A produção de textos precisa ter funcionalidade, atender a efetivos eventos comunicativos.

Há certa ilusão na escola tradicional de que a correção de regência verbal e nominal, concordância verbal e nominal, eliminação de mistura pronominal, colocação pronominal à moda portuguesa seja suficiente para que o aprendiz tenha acesso à expressão “culta” da língua e a seu domínio. Se pretendemos firmar o uso da variedade prestigiada, precisamos despertar a consciência para a variação linguística. Só assim se perceberá a distância entre as variedades e se poderá vir a usar aquela que funciona melhor em determinadas situações.

A expressão norma culta passou a designar os preceitos da tradição conservadora e pseudopurista e, prosopopeicamente, ganhou vida de ser humano: “a norma culta não aceita tal uso”; “a norma culta rejeita esse uso”; “a norma culta não admite”; “a norma culta condena”; “a norma culta proíbe”. Faraco (2009,

p. 25) conclui:

Basta, em nome desse ente etéreo – a Sra. Dona Norma Culta – asseverar categoricamente o que se imagina ser o certo e o errado, como se houvesse indiscutível consenso sobre o assunto e fossem claras e precisas as linhas divisórias entre o “condenável” e o “aceitável”, entre o que a Sra. Dona Norma Culta “aceita”, “admite”, “exige” e o que ela “condena”, “proíbe”, “não aceita”, “não admite”.

Há ainda os que adotam um discurso supostamente mais “moderno”, admitindo determinados usos, mas sempre ressalvando tratar-se de usos informais, bem como os que veem decadência e degradação em determinados usos que ocorrem no Brasil; usos que refletiriam desleixo e ignorância dos falantes. A essa postura conservadora a mídia ofereceu espaços generosos para os chamados por Bagno (2015, p. 116, 148, 164) de “comandos paragramaticais”. Também, as grandes empresas jornalísticas têm criado manuais de redação em que apresentam um conjunto de normas rígidas nem sempre seguidas por seus próprios jornalistas.

A expressão norma culta ainda se confunde com língua escrita. Embora haja gêneros em que se espera o uso de uma variedade que goza de prestígio social, não se pode afirmar que a língua escrita utiliza essa variedade. Há inúmeras situações em que utilizamos na língua escrita outras variedades não prestigiadas, como em um bilhete familiar ou entre amigos, em um e-mail entre colegas de classe, em um blog, em um chat. E que dizer de inúmeras canções que se valem de variedades até estigmatizadas, ou de textos literários que estrategicamente se valem de variedades múltiplas que dão feição estética ao texto? Lembremo-nos de que no Brasil um grande contingente de alfabetizados que são funcionais: apenas


sabem escrever o próprio nome, ou leem e escrevem com muita dificuldade, mas não são capazes de entender o que leem. Daí Faraco (2009, p. 27) afirmar que

continuamos uma sociedade perdida em confusão em matéria de língua: temos dificuldades para reconhecer nossa cara linguística, para delimitar nossa(s) norma(s) culta(s) efetiva(s) e, por consequência, para  dar referências consistentes e seguras aos falantes em geral e ao ensino de português em particular.

Em lugar da cultura linguística negativa do erro, é preciso estabelecer uma cultura linguística positiva. E, embora haja algum progresso em relação ao tema da variação, ainda predominam as preocupações com a variação geográfica, que envolve preconceito; em geral, ela ainda é vista de um ponto de vista anedótico (às vezes, brincadeiras com o r retroflexo, por exemplo, ou variações de vocabulário). No estudo da variação rural, sobejam os exemplos da fala de Chico Bento, que, como sabemos, reflete uma elaboração estereotipada da fala rural.

Em relação à variação estilística, livros didáticos que ainda insistem na inadequação de determinados usos em situações formais: por exemplo, entendem que a única variedade a ser utilizada seria a prestigiada, desconsiderando as estratégias que o locutor pode vir a utilizar para a produção de sentido. Imagine-se, por exemplo, uma pessoa, numa rodinha de amigos, utilizando um português altamente monitorado, simplesmente para provocar riso entre os companheiros. Os recursos para a variação estilística diferem de indivíduo para indivíduo, segundo seu grau de letramento. Se mais letrado, o indivíduo dispõe de mais estilos que se aproximam da norma idealizada da língua escrita formal, mais monitorada. Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 210) afirma ser uma falácia definir a norma culta ou norma-padrão como linguagem formal:

a (in)formalidade de uma situação não se vincula exclusivamente ao emprego (ou não) de formas gramaticais normatizadas ou de uma pronúncia “culta”: há muitos outros elementos verbais e  não  verbais que  colaboram para  conferir maior ou menor formalidade a um evento comunicativo.

Raramente tratam os livros didáticos da variação social, dos conflitos, das aproximações e distanciamentos, entre norma “culta”, aquela que as pessoas de educação superior utilizam, e as outras, pois é aí que residem os piores estigmas de nossa sociedade. E é a cultura do erro no Brasil que impede uma discussão aberta e não preconceituosa do português falado pelos brasileiros.

Mesmo os exames de avaliação do sistema escolar, como SAEB e ENEM,

são ainda muito pouco abrangentes e não saem dos dois eixos rural/urbano e formal/informal. […] Não encaram a variação como um contínuo (o que aparece é, no geral, uma concepção estanque da relação da variação com o contexto) e, por nunca chegarem à variação social, não alcançam o julgamento de atitudes estigmatizadoras (FARACO, 2009, p. 179)."



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Preconceito e intolerância linguística

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